terça-feira, outubro 19, 2004

Sobre o ciúme entre os médiuns

Revista Espírita - Abril de 1861

(Envio do Sr. Ky..., correspondente da Sociedade em Carlsruhe.)

O homem vão, de si mesmo e de sua própria inteligência, é tão desprezível quanto lamentável. Ele expulsa a verdade de diante de si, para substituí-la por seus argumentos e suas convicções pessoais, que crê infalíveis e irrevogáveis, porque lhe pertencem. O homem vão é sempre egoísta, e o egoísmo é o flagelo da Humanidade; mas desprezando o resto do mundo, ele não mostra senão muito a sua pequenez; repelindo as verdades que para ele são novas, mostra também o espaço limitado de sua própria inteligência pervertida pela sua obstinação, que aumenta ainda a sua vaidade e o seu egoísmo.

Infeliz do homem que se deixa dominar por esses dois inimigos de si mesmo! Quando este despertar neste estado onde a verdade e a luz fun-dir-se-ão sobre ele de todas as partes, então não verá em si senão um ser miserável que está loucamente exaltado acima da Humanidade, durante a sua vida terrestre, e que estará bem abaixo de certos seres mais modestos e mais simples aos quais pensava se impor neste mundo.

Sede humildes de coração, vós a quem Deus fez parte de seus dons espirituais. Não atribuais nenhum mérito a vós mesmos, não mais do que se atribui a obra, não às ferramentas, mas ao obreiro. Lembrai-vos bem que não sois senão os instrumentos dos quais Deus se serve para manifestarão mundo o seu Espírito todo-poderoso, e que não tendes nenhum motivo para vos glorificar por vós mesmos. Há tantos médiuns, ah! que se tomam vãos, em lugar de se tornarem humildes à medida que os seus dons crescem. Isto é um atraso no progresso, porque em lugar de ser humilde e passivo, o médium, freqüentemente, pela sua vaidade e pelo seu orgulho, repele comunicações importantes que vêm então à luz por pessoas mais merecedoras. Deus não olha a posição material de uma pessoa para lhe comunicar o seu espírito de santidade; bem longe disso, porque, freqüentemente, ele eleva os humildes entre os humildes, para dotá-los de maiores faculdades, a fim de que o mundo veja bem que não é o homem, mas o Espírito de Deus peto homem, que faz milagres. O médium é, como eu o disse, o simples instrumento do grande Criador de todas as coisas, e é a este último que é necessário render glória, é a ele que é necessário agradecer pela sua inesgotável bondade.

Eu gostaria de dizer também uma palavra sobre a inveja e o ciúme que, muito freqüentemente, reina entre os médiuns, e que, como a erva má, é necessário arrancar desde que ela comece a aparecer, de medo que ela não abafe os bons germes vizinhos.

No médium o ciúme é tanto a temer como o orgulho; ele prova a mesma necessidade de humildade; direi mesmo que ele denota uma falta de senso comum. Não será vos mostrando ciumentos dos dons do vosso vizinho que os recebereis semelhantes, porque se Deus dá muito a uns e pouco aos outros, estejais certos de que agindo assim ele tem um motivo bem fundado! O ciúme azeda o coração; abafa mesmo os melhores sentimentos; é, pois, um inimigo que não se saberia evitar com muito cuidado, porque não deixa nenhum descanso, uma vez que se apodera de nós; isto se aplica a todos os casos da vida neste mundo; mas eu quis sobretudo falar do ciúme entre médiuns, tão ridículo quanto desprezível e mal fundado, e que prova o quanto o homem é fraco e o quanto se torna escravo de suas paixões.

LUOS

NOTA: Quando da leitura desta última comunicação diante da Sociedade, uma discussão se estabeleceu sobre o ciúme dos médiuns comparado ao dos sonâmbulos. Um dos membros, o Sr. D..., disse que na sua opinião o ciúme é o mesmo nos dois casos, e que se parece tão freqüente nos sonâmbulos, é que, nesse estado, eles, não sabem dissimulá-lo.

O Sr. Allan Kardec refutou esta opinião: "O ciúme, disse ele, parece inerente ao estado sonambúlico, e isso por uma causa da qual é difícil dar-se conta, e que os próprios sonâmbulos não podem explicar. Este sentimento existe entre sonâmbulos que, no estado de vigília, não têm um pelo outro senão da benevolência. Entre os médiuns, é longe de ser habitual, e se prende evidentemente à natureza moral do indivíduo. Um médium não é ciumento de um outro médium, senão porque está em sua natureza ser ciumento; essa falta, conseqüente do orgulho e do egoísmo, é essencialmente nociva à bondade das comunicações, ao passo que o sonâmbulo mais ciumento pode ser muito lúcido, e isto se concebe facilmente. O sonâmbulo vê por si mesmo; é o seu próprio Espírito que se liberta e age: ele não tem necessidade de ninguém; o médium, ao contrário, não é senão um intermediário: ele recebe tudo de Espíritos estranhos, e a sua personalidade está bem menos em jogo do que no sonâmbulo. Os Espíritos simpatizam com ele em razão de suas qualidades ou de seus defeitos: ora, os defeitos que são os mais antipáticos aos bons Espíritos são o orgulho, o egoísmo e o ciúme. A experiência nos ensina que a faculdade mediúnica, enquanto faculdade, é independente das qualidades morais; ela pode, do mesmo modo que a faculdade sonambúlica, existir no mais alto grau nos homens mais perversos. É completamente diferente com respeito às simpatias dos bons Espíritos, que se comunicam naturalmente tanto mais de boa vontade, quanto o intermediário encarregado de transmitir o seu pensamento seja mais puro, mais sincero, e se afaste mais da natureza dos maus Espíritos; eles fazem a esse respeito o que fazemos nós mesmos quando tomamos alguém por confidente. No que concerne especialmente ao ciúme, como esse defeito existe entre quase todos os sonâmbulos, e que é muito raro entre os médiuns, parece que nos primeiros é a regra, e nos segundos a exceção, de onde se seguiria que não deve haver a mesma causa nos dois casos.'

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