Este texto, elaborado pelo nosso amigo Cláudio Silva (Aleph), possui uma excelente análise
do desenvolvimento do espiritismo no Brasil. Foi disponibilizado originalmente
na comunidade "Espiritismo Ortodoxo", do Orkut, em um debate acerca do emprego
do termo "Ortodoxo", equivocado no ponto de vista de algumas pessoas, mas
apropriado em nosso entender por tomarmos por base a busca da coerência para com
os principios doutrinários em detrimento de tantas inovações que foram
implementadas no correr dos anos, sem nenhum embasamento na metodologia da
Doutrina Espirita, que determina os mecanismos para sua evolução e aceitação de
novos fatos ou paradigmas.
Abaixo, a transcrição ipsis literis do texto elaborado pelo Aleph
Algumas lembranças...
Vejam...
O movimento espírita foi calcado sobre uma instituição intelectual: a Sociedade Espírita de Estudos Parisienses. Com ela, a produção da Revista Espírita, que tinha um carater psicológico (não confundir com Psicologia Espírita, nada a ver pois esta nem existe).
É inegável a cultura que aqueles homens tinham e, a superlativa capacidade de compreensão da doutrina em relação a massa que hoje adorna as instituições espíritas.
Alguns anos mais tarde, em 1867, quando o Espiritismo chegou na Bahia, em Salvador - Pelourinho, com Luiz Olímpio Teles de Menezes e o Grêmio Familiar Espírita, surge um outro tipo de formatação do movimento espírita. O grupo de estudo doutrinário e as primeiras comunicações (inclusive de pseudo-sábios). Um célebre caso do "anjo de Deus" motivou Kardec a enviar uma carta-resposta a esta associação (vide A História do Movimento Espírita na Bahia de Lúcia Loureiro).
A forma de publicação foi o jornal, o Eco de Além Túmulo, uma espécie de informativo, com artigos respostas as acusações da Igreja a doutrina espírita e as atividades do Grêmio.
Apartir de 1875, Bezerra de Menezes passa a se envolver com o Espiritismo, no rio de Janeiro e cria o Centro Espírita, com o seu Curso de Desenvolvimento Mediúnico.
A tônica de Bezerra neste processo, foi totalmente diferente. Apesar dele incitar o estudo da doutrina, as pessoas iam fascinadas pela mediunidade. É importante lembrar que o Rio de Janeiro foi um dos focos mediúnicos mais intensos do Brasil (assim como Salvador), devido as vertente africanista mediunista (Candomblé).
Houve um bolo ou salada de frutas entre o Candomblé e o Espiritismo, a ponto de em 1905, no Rio de Janeiro, surgir a Umabanda, que comumente se chama de mesa branca. A ênfase na mediunidade e nos espíritos nativos foi muito intensa.
Isto chamou muitos estudiosos do espiritismo a atenção, inclusive Deolindo Amorim, que publicou Espiritismo e Africanismo.
Destes estudos, Deolindo fez questão de frizar em suas obras, a necessidade de se criar um Instituto de Cultura Espírita que pudesse estudar algumas questões concernentes a antropologia e a doutrina espírita.
Esta instituição teria aspecto eminentemente de estudo e se voltaria para aspectos de desenvolvimento e desdobramento da doutrina espírita nos seus aspectos filosóficos, científicos e religiosos, buscando oferecer elementos de compreensão sob o âmbito antropológico.
Mais adiante, a reunião das seguintes instituições: Sinagoga Espírita Nova Jerusalém, a União Federativa Espírita Paulista, a Federação Espírita do Estado de São Paulo e a Liga Espírita do Estado de São Paulo, organizaram-se em 1946 no inutuito de formar a União Social Espírita ou USE, visando unificar o movimento espírita.
Surge o (famigerado) federativismo espírita, com o intuito claro de uniformizar as bases do movimento espírita.
Aonde eu quero chegar com isto?
Tanta diversidade de casas e pensamentos sobre a doutrina espírita levariam o movimento espírita a divergir entre si, sobre as bases de uma ortodoxia. Vejam que as bases do que se pensa ser a doutrina espírita versam sobre:
Aparentemente tais modelos são conciliáveis, mas na prática não o são.
As bases de estruturação de progressão e pesquisa do espiritismo modifica entre elas, quando uma dá ênfase ao fenômeno e outra dá ênfase a doutrina.
A federação espírita distoa de todas, pois enfatiza o movimento espírita, que por si só é completamente dispare.
Precisaríamos de diretrizes para estruturar o movimento espírita... Elas estão ditas no Livro dos Médiuns capítulo XXIX.
Extrairem dois itens que gosto muito.
Rivalidades entre as Sociedades
348. Os grupos que se ocupam exclusivamente com as manifestações inteligentes e os que se entregam ao estudo das manifestações físicas têm cada um a sua missão.
Nem uns, nem outros se achariam possuídos do verdadeiro espírito do Espiritismo, desde que não se olhassem com bons olhos; e aquele que atirasse pedras em outro provaria, por esse simples fato, a má influência que o domina. Todos devem concorrer, ainda que por vias diferentes, para o objetivo comum, que é a pesquisa e a propaganda da verdade.
Os antagonismos, que não são mais do que efeito de orgulho superexcitado, ornecendo armas aos detratores, só poderão prejudicar a causa, que uns e outros pretendem defender.
349. Estas últimas reflexões se aplicam igualmente a todos os grupos que porventura divirjam sobre alguns pontos da Doutrina. Conforme dissemos, no capítulo Das Contradições, essas divergências, as mais das vezes, apenas versam sobre acessórios, não raro mesmo sobre simples palavras. Fora, portanto, pueril constituírem bando à parte alguns, por não pensarem todos do mesmo modo. Pior ainda do que isso seria o se tornarem ciosos uns dos outros os diferentes grupos ou associações da mesma cidade. Compreende-se o ciúme entre pessoas que fazem concorrência umas às outras e podem ocasionar recíprocos prejuízos materiais.
Não havendo, porem, especulação, o ciúme só traduz mesquinha rivalidade de amor-próprio.
Como, em definitiva, não há sociedade que possa reunir em seu seio todos os adeptos, as que se achem animadas do desejo sincero e propagar a verdade, que se proponham a um fim unicamente moral, devem assistir com prazer à multiplicação dos grupos e, se alguma concorrência haja de entre eles existir, outra não deverá ser senão a de fazer cada um maior soma de bem.
As que pretendam estar exclusivamente com a verdade terão que o provar, tomando por divisa: Amor e Caridade, que é a de todo verdadeiro espírita. Quererão prevalecer-se da superioridade dos Espíritos que as assistam? Provem-no, pela superioridade dos ensinos que recebam e pela aplicação que façam deles a si mesmas. Esse o critério infalível para se distinguirem as que estejam no melhor caminho.
Alguns Espíritos, mais presunçosos do que lógicos, tentam por vezes impor sistemas singulares e impraticáveis, à sombra de nomes veneráveis com que se adornam. O bom-senso acaba sempre por fazer justiça a essas utopias, mas, enquanto isso não se dá, podem elas semear a dúvida e a incerteza entre os adeptos. Daí, não raro, uma causa de dissentimentos passageiros.
Além dos meios que temos indicado de as apreciar, outro critério há, que lhes dá a medida exata do valor: o número dos partidários que tais sistemas recrutam. A razão diz que, de todos os sistemas, aquele que encontra maior acolhimento nas massas, deve estar mais próximo da verdade, do que os que são repelidos pela maioria e vêem abrir caros nas suas fileiras.
Tende, pois, como certo que, quando os Espíritos se negam a discutir seus próprios ensinos, é que bem reconhecem a fraqueza destes.
Como surgiria então uma ortodoxia? Inicialmente através da estruturação das atividades mediúnicas.
346. Os trabalhos de cada sessão podem regular-se conforme se segue:
- Leitura das comunicações espíritas recebidas na sessão anterior, depois de passadas a limpo.
- Relatórios diversos.
- Correspondência.
- Leitura das comunicações obtidas fora das sessões.
- Narrativa de fatos que interessem ao Espiritismo.- Matéria de estudo.
- Ditados espontâneos.
- Questões diversas e problemas morais propostos aos Espíritos.
- Evocações.- Conferência.
- Exame crítico e analítico das diversas comunicações.
- Discussão sobre diferentes pontos da ciência espírita.
Depois, pela unificação da metodologia de análise da comunicação. Para isto, lanço mão da introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo
"Sabe-se que os Espíritos, em virtude da diferença entre as suas capacidades, longe se acham de estar, individualmente considerados, na posse de toda a verdade; que nem a todos é dado penetrar certos mistérios; que o saber de cada um deles é proporcional à sua depuração; que os Espíritos vulgares mais não sabem do que muitos homens; que entre eles, como entre estes, há presunçosos e sofômanos, que julgam saber o que ignoram; sistemáticos, que tomam por verdades as suas idéias; enfim, que só os Espíritos da categoria mais elevada, os que já estão completamente desmaterializados, se encontram despidos das idéias e preconceitos terrenos; mas, também é sabido que os Espíritos enganadores não escrupulizam em tomar nomes que lhes não pertencem, para impingirem suas utopias.Ortodoxia do do latim orthodoxu e do grego orthódoxos, que está com a opinião, do grego doxa.
Daí resulta que, com relação a tudo o que seja fora do âmbito do ensino exclusivamente moral, as revelações que cada um possa receber terão caráter individual, sem cunho de autenticidade; que devem ser consideradas opiniões pessoais de tal ou qual Espírito e que imprudente fora aceitá-las e propagá-las levianamente como verdades absolutas.
O primeiro exame comprobativo é, pois, sem contradita, o da razão, ao qual cumpre se submeta, sem exceção, tudo o que venha dos Espíritos. "
Uma ortodoxia propiciaria saber o conteúdo, a essência pela qual um conhecimento se estrutura de forma a se tornar "senhor" dele.
A ortodoxia espírita precisaria se ajustar então, a forma como as casas espíritas se organizam, sem perder de vista os princípios da: universalidade e da concordância.
Isto seria o que Thomas Khum propõe de núcleo irredutível de uma ciência.
O núcleo irredutível do Espiritismo seriam os princípios básicos:
O núcleo irredutível da doutrina espírita não seriam dogmas, mas princípios pelos quais diferenciariam o Espiritismo das demais doutrinas espiritualistas. Isto é amplamente discutido por Kardec na Introdução de o Livro dos Espíritos e, propicia uma referência de como se estruturar o movimento espírita.
Para cada tipo de organização seria necessário um tipo de ortodoxia?
Obviamente não... Mas, os procedimentos e ou, técnicas necessárias para estruturá-la em cada modalidade de instituição, levariam a mostrar que para cada uma delas, seriam necessários procedimentos específicos.
Por exemplo...
- Para uma instituição com bases mediúnicas, haveria necessidade de um núcleo federativo que concatenasse as comunicações e estudasse-as, antes de publicá-las como obras.
Elas seriam estruturadas como os editores de livros, que os analisam e criticam exaustivamente, até chegar a um ponto de concordância.
Obviamente, isto levaria os romances a passar mais tempo de espera. - As instituições de cultura e pesquisa espírita, necessitaria de fóruns e simpósios que levassem as suas descobertas e pesquisas, de forma a divulgarem efetivamente seus trabalhos.
Desta forma, a "Ciência Espírita" afloraria, porque somente através da publicação séria de pesquisas e realização de simpósios abalizados, é possível surgir um aciência. - As instituições doutrinárias também necessitariam publicar artigos em fóruns específicos, dando uma conotação pluralistas ao termo "ortodoxia espírita"
Esta organização, em específico, deveria fazer frente as interfaces da doutrina espírita com outros pensamentos espiritualistas.
Este item em particular me chama mais atenção, por que tem a ver com a transdisciplinaridade da doutrina Espírita. O Espiritismo é uma chave mestra para um mundo bem maior a ser encontrado em outras doutrinas mais antigas (vide O Livro dos Fluidos).
Well...
Com isto, acho que redimo-me das meras críticas e passo para as propostas.
Paz profunda, sincera e fraternal.
PS:. Espero que alguém tenha tido coragem de ler até o final.
2 comentários:
Obrigado pelo texto. Gostaria muito, um dia, de conhecer uma casa ortodoxa.
Parabens pelo texto!Está mais do que na hora de se ter coerencia ao divulgar o espiritismo,pois,a falta da mesma ,descredibilisa o espiritismo para os leigos emesmo os não tão leigos...
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